Mentes golpistas

 Penas mais altas e severas inibem o crime: criminosos não consultam o Código Penal antes de agir, mas aplicadas com rigor surtem repressão. Muitas pessoas fazem coisas erradas porque estão no lugar errado e com as pessoas erradas. Sob condições adversas, seres humanos são facilmente induzidos ao erro. Entretanto, quando cientes da punição rigorosa, eles recuam. Por que os crimes de tráfegos matam tanto? Porque são penas brandas, ou nem punição.

 “Código Comportamental”, dos professores de direito e criminologia Benjamin Von Rooij e Adam Fine. Segundo o livro, seres humanos guiam seu comportamento por “normas sociais descritivas”, ou seja, contextos feitos coletivamente. As pessoas imaginam o certo ou errado a partir de hipóteses, influências e informações coletadas no ambiente onde estão, o que pode induzir a decisões erradas. Diversos fatores influenciam na perpetração de crimes. Aos fatos.

As ciências comportamentais falam em “insanidade decisória” à dificuldade em obter e interpretar informações de forma adequada. Decisões erradas decorrem de contextos errados e racionalidade limitada. Surgem então “assimetrias de informação”, “vieses cognitivos”, “enquadramentos”, gargalos decisórios”. As tendências comportamentais mais conhecidas são o “efeito manada”, o instinto de vingança, o sentimento de ódio e exploração de outrem: pessoas imitam o que os outros estão fazendo. Outra tendência é a “ancoragem”: decidimos se o que fazemos é certo ou errado a partir do que imaginamos que outras pessoas fazem. E queremos a partilha dos louros e vantagens de eventual vitória.

As ciências comportamentais dão respaldo ao sistema de justiça criminal moderno quando este leva em conta estados mentais na mensuração da pena. Nosso Código Penal de 1940 estabelece que a pena pode ser diminuída em até dois terços em “virtude de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto”. Ou seja: confusão mental e dificuldade em interpretar a realidade reduzem a culpa do réu.

O que leva pessoas comuns a promoverem quebra-quebra em jogos de futebol é um mistério, mas as ciências comportamentais ajudam a entender. Pesquisas indicam que a distribuição aleatória de símbolos, narrativas, atributos morais e a invenção de um “inimigo” comum, antagônico a um conjunto de indivíduos, pode construir um “sentimento de grupo”. O resultado é movimento coletivo baseado em auto exaltação e hostilidade ao adversário.

A “psicologia de massas”, estuda as torcidas organizadas, seitas fanáticas e organizações políticas radicais. Desde o livro “Psicologia de massas e análise do Eu”, de Sigmund Freud, de 1921, há uma linha teórica dedicada a descobrir como movimentos radicais adicionam seguidores. Uma das ideias da psicologia de massas é que estados mentais recorrentes de culpa, ressentimento, impotência ou inadequação, podem levar a sintomas neuróticos, como depressão e ansiedade, ou até a distúrbios psicóticos, como delírios salvacionistas, persecutórios e obsessivos.

Wilhelm Reich, Theodor Adorno, Erich Fromm, Giles Deleuze e Felix Guattari são alguns dos autores mais tradicionais desse tipo de pensamento. “O fascismo não é um transtorno mental, porque é um fenômeno social. Mas na prática é impossível diferenciar uma coisa e outra”, dizem historiadores da Psicanálise.

Brasil: deprimido e ansioso. Se o sofrimento emocional é um fator de risco para movimentos totalitários, o Brasil está em risco. Dados oficiais estimam 30 milhões de brasileiros com sintomas de depressão e ansiedade. As causas do sofrimento se somam: isolamento social, caos urbano, violência, pressão econômica e abuso de redes sociais. O Brasil é líder em consumo de aplicativos online, com 9 horas de uso por dia, em média. O vício em aplicativos e redes sociais é identificado como um fator de risco à saúde mental. É também a principal porta de acesso a fatores de risco, como notícias falsas, teorias conspiratórias, fraudes, golpes e outras estratégias oportunistas.

Entre os 1,5 mil réus dos atos golpistas de 8/1 há manifestantes que acreditavam realmente que as urnas foram fraudadas, que o país estava sob a ameaça de ditadura comunista, que existem poções mágicas, heróis míticos e outros delírios. O estado de confusão do discurso dos réus do 8/1 é tamanho que fica difícil classificar seus atos como atitudes conscientes e esclarecidas, vindas de pessoas no pleno domínio das faculdades mentais.

Entre os 1,5 mil processos contra manifestantes envolvidos no vandalismo de 8 de janeiro há provavelmente muitos casos de indivíduos com sintomas ocultos ou evidentes de sofrimento emocional e transtornos de personalidade. Pelo que se sabe, isso indica vulnerabilidade a discursos delirantes e comportamentos obsessivos, persecutórios e antissociais. O que seria uma tragédia meramente pessoal se transforma em um movimento criminoso organizado.

Segundo o direito comportamental, é preciso levar em conta as normas sociais. A psicologia de massas conta a história de pessoas comuns seduzidas por discursos políticos extremistas distribuídos por meios de comunicação de massa. O que se viu nas ruas do 8 de Janeiro/2023- golpistas- foi o excesso de uso de redes sociais tomar as ruas. Pessoas comuns, transportadas para um mundo de fantasia, não conseguiam mais separar verdade e mentira, nem certo e errado.

É evidente que, ao tomar decisões grotescas como acampar em frente a quartéis e fazer quebra-quebra na Praça dos Três Poderes, essas pessoas não tinham a menor ideia do que estavam fazendo. Usando ferramentas das ciências comportamentais, podemos dizer com alguma certeza que foram vítimas de armadilhas mentais às quais somos todos vulneráveis. Moídos na máquina de desinformação, foram mobilizados como “bucha de canhão” do golpe.

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