Reflexões sobre a Oração do Médico de Maimônides
Mose Ben Maimon (Maimônides) viveu de 1.135 a 1.204. Médico, poeta e humanista trabalhou durante o período áureo da chamada Medicina Arabesca, que acompanhou o crescimento do domínio islâmico, inicialmente pela península arábica, conquistando em seguida a península ibérica, através do Estreito de Gilbratar. No auge de seu crescimento incluiu grandes partes da Europa, da Ásia e do norte da África. Esse mundo islâmico era dividido em dois califados, o oriental, com capital em Bagdá, e o ocidental, com capital em Córdoba. Na História da Medicina o grande mérito desse período foi ocupar o lugar da Europa, que passava por um período de trevas, com a destruição e queima de bibliotecas e livros e perseguições às lideranças culturais, incluindo médicos. Paralela e sincronicamente ao período de obscurantismo europeu se desenvolvia o mundo islâmico, importando os avanços da medicina ocidental, aos quais acrescentou muito em diferentes áreas, incluindo a Cirurgia, a Oftalmologia, a Farmácia, as instituições hospitalares e a preocupação com os aspectos éticos da Medicina. Historicamente chama atenção a tolerância cultural e respeito com os chamados "povos do Livro". O "Livro" era a Bíblia Sagrada em seu velho Testamento e os "povos do Livro" eram os cristãos e judeus. É somente dentro dessa atmosfera de respeito que se pode entender que Ben Maimon, judeu, pudesse ter as oportunidades e o prestígio que teve em Córdoba. Mais emblemático ainda é o fato de que, após ter problemas com o governo do Califado Ocidental, ele tenha sido convidado a se mudar para Marrocos, onde foi médico particular de Saladino, o chefe militar muçulmano. Era a Medicina, por meio de um de seus grandes nomes, sobrepujando diferenças culturais e religiosas. Nesse ambiente, Maimônides produziu a preciosidade que transcrevemos abaixo.
ORAÇÃO DO MÉDICO (MAIMÔNIDES)
"Ó Deus, Tu formaste o corpo do homem com infinita bondade; Tu reuniste nele inumeráveis forças que trabalham incessantemente como tantos instrumentos, de modo a preservar em sua integridade esta linda casa que contém sua alma imortal, e estas forças agem com toda a ordem, concordância e harmonia imagináveis. Porém se a fraqueza ou paixão violenta perturba essa harmonia, estas forças agem uma contra as outras e o corpo retorna ao pó de onde veio. Tu enviaste ao homem Teus mensageiros, as doenças que anunciam a aproximação do perigo, e ordenas que ele se prepare para superá-las.
"A Eterna Providência designou-me para cuidar da vida e da saúde de Tuas criaturas. Que o amor à minha arte aja em mim o tempo todo, que nunca a avareza, a mesquinhez, nem a sede pela glória ou por uma grande reputação estejam em minha mente; pois, inimigos da verdade e da filantropia, eles poderiam facilmente enganar-me e fazer-me esquecer meu elevado objetivo de fazer o bem a teus filhos.
Concede-me força de coração e de mente, para que ambos possam estar prontos a servir os ricos e os pobres, os bons e os perversos, amigos e inimigos, e que eu jamais enxergue num paciente algo além de um irmão que sofre. Se médicos mais instruídos que eu desejarem me aconselhar, inspira-me com confiança e obediência para reconhecê-los, pois notável é o estudo da ciência. A ninguém é dado ver por si mesmo tudo aquilo que os outros veem.
Que eu seja moderado em tudo, exceto no conhecimento desta ciência; quanto a isso, que eu seja insaciável; concede-me a força e a oportunidade de sempre corrigir o que já adquiri, sempre para ampliar seu domínio; pois o conhecimento é ilimitado e o espírito do homem também pode se ampliar infinitamente, todos os dias, para enriquecer- se com novas aquisições. Hoje ele pode descobrir seus erros de ontem, e amanhã pode obter nova luz sobre aquilo que pensa hoje sobre si mesmo.
Deus, Tu me designaste para cuidar da vida e da morte de Tua criatura; aqui estou, pronto para minha vocação."
A Oração de Maimônides é o modelo de compromisso pessoal do Médico
É fundamental repeti-la periodicamente. De cada Médico o que a sociedade espera é que tenha, ao longo de sua vida, o comportamento e as ações envolvidos nesta Oração, justificando plenamente o porquê de alguém, que exerceu sua profissão na Idade Média, continuar vivo no coração dos verdadeiros Médicos.