João Joaquim
Celular é o novo cigarro: como o
cérebro reage às notificações de apps e por que elas viciam tanto
Notificações, curtidas e rolagem infinita nas redes causam prazer, mas afetam controle dos impulsos. Dependência digital pode levar a transtornos de esgotamento, como FOMO e Burnout. Matéria do Jornal o Estadão 13/02/2023
Conferir notificações, curtidas e
o feed de redes sociais já são hábitos comuns para quem tem um smartphone na
mão. O simples som de uma notificação pode trazer uma sensação boa, mas,
ao mesmo tempo, afetar o controle dos nossos impulsos. E, assim como o cigarro
ou outros vícios, o uso constante do celular também pode se tornar uma
dependência.
Tudo isso é um processo químico,
que ocorre dentro do nosso cérebro através da dopamina. Estimulado por
comentários e curtidas, o neurotransmissor é liberado,
provocando prazer e satisfação.
Alerta: Só que a dopamina
vicia. Checar o celular o tempo todo, clicar em notificações, ficar rolando
infinitamente as timelines sem buscar algo determinado, pode gerar um looping
altamente perigoso para a saúde.
“Quanto mais a pessoa entra em
contato com esses estímulos que causam recompensas rápidas e imediatas, maior a
tendência de aumentar o comportamento. E aí ela começa a sentir falta quando
não está perto do celular", resume a médica psiquiatra Julia Khoury,
mestre e doutora em Medicina Molecular pela Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG).
Nesta reportagem, você vai saber
mais sobre:
Dependência digital pode levar a
transtornos de atenção e de esgotamento
1 - As notificações dentro do
cérebro
Julia Khoury, que fez mestrado e
doutorado em dependência digital, afirma que o mundo digital é uma fonte
inesgotável de estímulos rápidos, capaz de nos dar pequenas doses de
alívio frente à vida real.
“As pessoas vão em busca desses
estímulos rápidos que geram prazer para se livrar de sentimentos ruins ou para
ter pequenos prazeres ao longo do dia”, diz a médica psiquiatra.
Você pode não perceber, mas, ao
receber uma mensagem do "crush" ou um elogio inesperado em uma foto
postada, um neurotransmissor começa a correr dentro do cérebro: é
a dopamina;
A dopamina, então, se desloca até
a parte central do cérebro e, ao ser liberada ali, causa
imediatamente sensações como prazer e satisfação na pessoa;
Mas ela também vai até
a parte da frente do cérebro. Liberada, inibe as funções dessa
região, chamada de córtex pré-frontal e responsável pelo controle dos impulsos,
moderação do comportamento e tomada de decisões;
Com isso, pode causar
impulsividade e afetar o controle do uso - nesse caso, uso do
celular.
O processo é o mesmo em
outros tipos de vícios, como em jogos ou drogas.
"O vício em smartphones é
causado por causa desse tipo de recompensa rápida", afirma a psiquiatra.
“Como temos estímulos rápidos no celular, o cérebro não treina mais para se
concentrar por um tempo maior. E isso diminui a capacidade de concentração”,
diz Julia.
2 - Quando a dependência digital
acontece
O smartphone é uma máquina
caça-níquel, afirma o psicólogo Cristiano Nabuco. "Na máquina, quando você
coloca as fichas, ela te dá pontuação farta no começo. A partir do momento que
você começa a ficar mais tempo jogando, você começa a perder", compara.
"Seu cérebro também pode
criar uma tolerância, e um ciclo vicioso começa a ser instalado. As
notificações têm como objetivo 'adestrar' o usuário de uma maneira que ele
possa, no fundo, no fundo, ficar cada vez mais conectado”, explica o psicólogo.
Um exemplo é a rolagem
infinita: o hábito de pegar o celular (sem receber nenhuma notificação), abrir
um aplicativo e ficar passando pelo feed com o polegar, de baixo para cima -
principalmente em momentos de ócio e procrastinação.
“Eu vou te oferecendo,
oferecendo, oferecendo, criando um efeito looping onde, em um determinado
momento, você não tem mais a noção do tempo que gastou. O indivíduo entra em
uma condição de êxtase, procurando de maneira compulsiva, sem
racionalizar”, afirma Nabuco.
“Isso criou um tipo de
estimulação contínua, em que a saúde mental das pessoas não está sendo
observada”, diz o psicólogo.
Mas como saber se sou dependente
digital? De acordo com a psiquiatra Julia Khoury, um dos principais sinais
de quem abusa da tecnologia ou é viciado nela é a síndrome de FOMO.A
palavra é uma sigla em inglês de "fear
of missing out", que, traduzida para o português, seria algo como
"medo de ficar de fora".
FOMO: saiba mais sobre a síndrome do medo de ficar de fora
O tempo todo que a pessoa recebe
notificação é um convite para um ritual de checagem regular, porque ela fica
olhando para a tela, principalmente quando recebe uma notificação, por medo de
perder coisas importantes, informações que ela considera importantes.
— Julia Khoury, psiquiatra
A consequência é o
desenvolvimento de sintomas de ansiedade e problemas de atenção, o que pode
evoluir para quadros mais graves, como a Síndrome de Burnout, causada pelo
esgotamento mental, ou o Transtorno de Déficit de Atenção (TDA).
“A pessoa se sente o tempo todo
com excesso de estímulo, não consegue descansar”, explica a psiquiatra. “A
gente tem visto uma prevalência cada vez maior de pessoas com dificuldade de
concentração”, afirma também.
3 - O que fazer para se
"desligar" (totalmente ou não)
Para quem quer tentar sair um
pouco da frente das telas, principalmente nos momentos de lazer, ou até mesmo
fugir da dependência digital, os especialistas dão algumas dicas:
Buscar o equilíbrio: quem
precisa ficar de olho no celular por conta da profissão, por exemplo, deve
ficar atento não apenas na quantidade do uso, mas também na sua relação com o
aparelho;
De acordo com a psiquiatra Julia
Khoury, pessoas que estão em momentos de lazer, longe do trabalho, e não
conseguem se desligar, possuem um risco maior à dependência do que quem usa por
uma grande quantidade de tempo, mas apenas quando está trabalhando;
Estabelecer limites entre o
trabalho e a vida pessoal: uma das alternativas é concentrar a troca de
mensagens do trabalho em um celular diferente do usado para fins pessoais;
Zonas livres de tecnologia ou
desafios de detox digital: com família ou amigos, estabelecer ambientes ou
períodos onde o celular não pode ser usado, como em uma viagem, por exemplo;
A vida offline também é boa:
atividades ao ar livre, prática de exercícios físicos e de esportes, ou reunir
os amigos no mundo real, longe do celular, também são aliadas.
“Um chefe ou um cliente envia-lhe
uma mensagem e você está em descanso. Aí ele escreve: 'Não precisa olhar agora,
é para quando você voltar'. Isso já tirou a sua mente do descanso e já te levou
para o trabalho, porque você parou de descansar para se lembrar de um problema
que, por mais que você não resolva na hora, você fica pensando”, afirma Julia.
Não há problema em usar as
telas: mas deve-se ficar atento para que o acesso não seja simultâneo a
outras plataformas. Isso acontece, por exemplo, quando você está focado em uma
tarefa e para tudo para conferir uma mensagem recebida em aplicativos.
Segundo o psicólogo Cristiano
Nabuco, o melhor é não ser interrompido. "Você demora 23 minutos para
retomar o mesmo nível de concentração anterior ao recebimento da
mensagem".
Desligar as notificações: nos
momentos de lazer, ameniza os efeitos do uso do celular;
Curtir o ócio: é importante
aproveitar os momentos à toa, sem os apitos das notificações. Segundo os
especialistas, a pausa - real e digital - é importante para descansar a mente,
estimular a criatividade e o desenvolvimento do cérebro.
"A gente precisa de tempo
ocioso. Olhar para a janela durante uma viagem e não para a tela de um
tablet", diz o psicólogo.