Tragédia a granel não causa impacto nas pessoas

O gravíssimo acidente aéreo que fez 62 vítimas fatais da empresa Voepass, neste 9 de agosto de 2024, ocorrido em Vinhedo SP faz-nos fazer algumas reflexões sobre a natureza humana, no que se refere a segurança, previdência, valorização da vida, enfim, medidas preventivas de nossa integridade física e sanitária. E tanto faz, em se tratando de forma individual ou coletiva.

Iniciemos esta reflexão pela seguinte constatação: tudo que é trágico por atacado causa muito, enorme e emotivo impacto na mente e consciência das pessoas. Vejamos o exemplo bem concreto e robusto. O acidente com essa aeronave matou de uma pancada ao solo, tragicamente, 62 pessoas de variadas idades, dos variados estratos sociais, incluindo criancinhas de 4 e 5 anos de idade. O país todo, o mundo, inclusive o Papa Francisco, se comoveu e fez e pediu orações pelas vítimas e famílias.

Ora, pensemos juntos. Causa impacto por alguns fatores. Um deles, as imagens ficam bem documentadas, gravadas para o mundo inteiro assistir, da aeronave desgovernada, se espatifar ao solo, explosão, fumaceira, fogo, labaredas infernais, gritos das pessoas próximas ao trágico acidente e todos mortos, instantaneamente. De imediato, existem um alarde, um apelo emocional de imprensa e mídias sociais, digitais, as descrições sociais das vítimas. Despropositadamente, há uma teatralização da tragédia pela imprensa, que será repicada por dias, semanas. A imprensa no objetivo de audiência.

O Jornalismo, os informativos, via internet, redes sociais, todos vivem dessa audiência, dessa “espetacularização” de fatos anômalos, sinistros, nocivos e fora do comum e do ordinário. E por que dos abalos emocionais às pessoas, a grande parcela da sociedade? Nessas horas e momentos, as pessoas afloram o seu lado humanístico, de altruísmo, de misericórdia. Sentimentos a que se denomina empatia, o se imaginar no lugar da vítima e daqueles familiares.

Se perguntar à maioria das pessoas pelas tragédias por exemplo dos crimes contra a vida (assassinatos) ou de trânsito, essa maioria sequer faz ideia dessa estatística. O trânsito mata cerca de 120 pessoas por dia no Brasil, o dobro do aqui referido acidente aéreo Voepass. São mais de 40 mil mortos por ano, fora os mutilados, os feridos de menor gravidade, os inválidos! E por que essa cifra não comove as pessoas? Primeiro porque a tragédia se faz a granel, picada, de um em um. A imprensa não tem interesse e nem porque alardear e teatralizar as mortes a granel, no varejo. Apenas mais um.

Vamos a outro exemplo de contraponto. Os femicídios no Brasil, são exibidos todos os dias pela imprensa. Porque existem campanhas, e muito bem feitas e mostradas, da violência de gênero e contra a mulher. Imaginemos 4 mulheres mortas por dia por homens violentos, cruéis, animalescos, brutais, ignaros e incivilizados. A imprensa representada por redes de televisão e jornais fazem muito bem contra esses predadores de suas namoradas, ex esposas e companheiras. O mesmo se faz contra os criminosos de trânsito, que drogados e alcoolizados matam impiedosamente os pedestres e motociclistas!

E como outra mostra dessa diferença do impacto das tragédias por atacado e a granel. Ainda está viva na memória das pessoas o que foi o morticínio da pandemia da covid19, no mundo e Brasil. Em dois anos morreram cerca de 750 mil no Brasil. E por que tanto medo, abalo emocional ás pessoas?  Porque, de fato, morria muita gente diariamente, até 3 mil por dia, a imprensa tinha estatística diária mostrada ao vivo, havia o medo, a fobia de a pessoa ser a próxima vítima. Chegada a vacina, tudo foi se acalmando e voltando aos eixos e o que era antes. Desproteção, falta de higiene com mãos, bocas e narizes, cumprimentos sem luvas e sem máscaras, sem uso de álcool gel em mãos. Entra aqui o chamado fenômeno da acomodação ou zona de conforto. Entre em uma latrina, de início, o olfato afiado e sensível, depois o fedor vai se mitigando!

E assim, se comporta o bicho humano com os perigos, com os riscos, com a insalubridade, com as comorbidades, com os vícios mórbidos e letais. Imagine lá se alguém vai estressar ou se inquietar porque caminha para o grau doentio e mórbido de obesidade! Comer é tão prazeroso e lenitivo para os conflitos e depressões diárias. Vê lá se o alcoólatra se lixa para uma futura pancreatite, cirrose ou acidente vascular cerebral! O álcool alegra tanto o drogadito e encobre os dissabores da vida dura e desigual de nosso cotidiano! Vê lá se algum maconheiro vai se danar com a discriminação social e os danos familiares! Afinal a droga traz para ele um mundo irreal, vida utópica, bem alienada a toda a dureza e trabalho aflitivo de sobrevivência! Para que deixar a droga! Oh, céus, oh, vida, oh azar! Lippy e hardy. Esse é o bicho homem!

 

João Joaquim - médico e articulista do DM

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