Surge então um novo ideal de mulher, aquela que consegue conciliar seus desejos com todas as exigências sociais colocadas sobre ela. Ser bonita, magra de preferência, bem-sucedida profissional e financeiramente ao mesmo tempo que mãe e esposa dedicada. Esse ideal plasma a imagem do que se convencionou chamar de "mulher contemporânea". Entretanto, nem todas caem nessa categoria e tipificação. Quantas não são as mulheres que se tornam mães! Se escrutínio lhes aprouvesse com uma isenta e abalizada análise, com mensurada isenção, do que seja a vocação da maternidade, os pendores e preparo para gestar + criar+ engordar+ instruir + formar eticamente e escolarmente falando um filho, uma filha, poucas seriam contempladas de aprovação.
-“”Mas, afinal, quem é a "mulher contemporânea"? A executiva que comanda uma empresa? A mulher do campo? A mulher que opta por dedicar sua vida aos cuidados com os filhos e à família? A mulher que procura conciliar profissão e maternidade? A mulher que decide não ter filhos? A mulher aprisionada à ditadura do corpo? A adolescente grávida? A mulher solteira? A lésbica? Essa pequena relação mostra que são infinitas as formas de se inscrever em nossa cultura como mulher. E o novo modelo ideal forjado para a mulher contemporânea tende a uniformizar o feminino em torno de um projeto massificante, apagando as diferenças e constituindo-se em um novo torniquete. Um ideal que, embora mantenha as portas abertas para o trabalho feminino, permitindo assim que essa metade da população se torne consumidora, ainda privilegia a função materna, sustentando o paradigma que associou feminilidade e maternidade_””. O que diriam hoje Freud e sua discípula e paciente Marie Bonaparte, em idos tempos?
Não menos significativa há a síndrome do filho (a) único. Diversos ramos de humanidades estudam essa questão social e familiar. Diversos fatores, variáveis biológicas, psicológicas, sociais e econômicas, que envolvem também aspectos ambientais e genéticos vão formar o espectro social e relacional do filho (a) único. Muitos são os pais e mães que por inexperiência são marcados por excessivo zelo e investimento “afetivo” e protetivo no filho, com tratamento de criança frágil, mimada, superprotegida, em casulo. O resultado, assim provam os estudos, vai ser um filho (a) inseguro, sem autonomia pessoal, pouco preparado para sua autonomia laboral e técnica, dificuldade de prover a própria subsistência. Baldo ao naipe por adjuvantes, apoio continuado e instabilidade emocional.
Depoimento: “Mas assim, a gente já tá num mundo, que eu acho que um filho na vida de um casal é suficiente e segundo, tá dando certo até hoje, estamos juntos, mas amanhã ninguém sabe... Um só você carrega, e dois? Outra coisa também, o futuro da gente, a gente não tá conseguindo dar futuro pra um, quanto mais pra dois... Porque eu vou dizer que hoje a gente tá junto, mas amanhã a gente não sabe. Aí vai discutir com que vai ficar com quem deixa de ficar. E com 3? Educação? Porque neguinho acha que educação é só dar comida, comida, comida. Para mim educação não é só comida. Educação para mim é... Uma boa alimentação, um bom colégio, um bom lazer, um bom remédio para dentro de casa, para saúde” (Márcia, mãe de Lorenzo).
Mescladas com os característicos listados, quantas não são as mulheres, que mesmo sendo mães em idade de plena maturidade biológica, experimentadas, acima de 35 anos, essas tais mães, não se veem aptas e qualificadas, ética, moral, e socialmente e tecnicamente (grau escolar e cultural) para sozinhas proverem o filho ou filha de orientação e instrução em sua criação e formação integral. A insegurança, o despreparo dessas mães e pais perpassam a esses filhos. Efeito inevitável. Os indicativos desse despreparo e inaptidão para a maternidade, se veem no que esse filho ou filha única, vai necessitar: psicoterapia, reforço escolar, dificuldade de aprendizado, acompanhamento psicológico e psicopedagógico.
E para completar: imagine aquela mãe, a mais próxima dessa criança única que padece das mesmas carências: psicotrópicos, antidepressivos, psicólogas, terapias, constelação familiar (sem bases científicas). Somada a tudo isto, para promoção do que estava ruim a adicção digital. Mãe em permanente adesão ao celular, às redes sociais, às futilidades da internet. Enfim, um kit bem acabado do fracasso educacional de si própria e filho(a) única.
Ø Badinter, E. (1985). Um amor conquistado, o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Ø Badinter, E. (1991). Condorcet, Prudhome, Guyomar palavras de homens (1790-1793). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
Ø Badinter, E. (2010). Le conflit, la femme et la mère. Paris: Flammarion.
Ø Bertin, C. (1989). A última Bonaparte. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Ø Birman, J. (1996). Por uma estilística da existência. São Paulo: Escuta.
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