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O comer pelo prazer

 EXISTE muita intertextualidade entre alguns ramos do saber. Literatura/psiquiatria, literatura/psicologia, psicologia/filosofia. Tomem-se lá por exemplo as obras de Laurence Sterne, as aventuras do cavalheiro Tristram Shandy. Menipo de Gandara e suas narrativas menipeias. Quanta Filosofia, quanta Sociologia, quanta beleza no estilo e literatura. São átimos de cura para aqueles e aquelas afeitos e aficionados pela beleza do conhecimento, pelos ramos científicos. Estupefacientes! Todos esses logos humanos.

Um grande pensador contemporâneo, cuja Filosofia se aplica muito às gerações de hoje, pouco importa a idade dessas pessoas; fala-se aqui de Zigmunt Bauman (1925-2017) que debruçou sobre as tendências e comportamentos dessas novas gerações. Contanto que elas já se achem imersas e afogadas nas futilidades e excentricidades dos aplicativos, da Internet, das redes sociais. São os internautas e as internautas. Como muitos e muitas não sabem nadar, vão pari passu se debatendo com náufragos, até não terem mais cura e salvação. Afora esse chiste, nada sério, mas realístico. Essas pessoas constituem um laboratório para os ramos de Sociologia e Filosofia contemporânea.

Bauman, fala por exemplo das relações de hoje como transitórias, nada é duradouro, afeiçoes fluidas, sem compromissos. Ele refere a esses tempos como modernidade liquida. Elas tomam a forma do frasco (do momento), e tudo vai se diluindo conforme os interesses efêmeros e supérfluos. Uma característica que esse notável filósofo polonês coloca é o apego paranoico, neurotisado e insano ao consumo de tudo quanto o mercado e o marketing de consumo impõem às pessoas. As lojas, os shoppings, as grifes, as casas de moda. Elas se tornaram como clinicas em busca de alivio das angustias e ansiedades das pessoas. Objetos e bens da moda são como analgésicos e ansiolíticos para muitos sofrimentos existenciais e da alma.

Por extensão e como braço dessa mesma tendência e comportamento estão o apego, o frenesi e a busca insana, orgástica e orgíaca dos humanos por comida, não todos os humanos, porque existem os além e os aquém humanos. Podemos ver muitos reflexos da desumanização em nossa sociedade. Ela é responsável por danos sociais, tais como a alienação, os vícios de medicamentos, às bebidas alcoólicas e não alcóolicas, como os adictos de Coca-Cola. São estímulos à sociopatia. E nesse caudal de disfunções os chamados Direitos Humanos (criação dos humanos) vão naturalizando e normalizando esses expedientes e comportamentos.

Um interessante estudo japonês menciona o quanto o mundo moderno ou modernidade líquida citada por Zigmunt Bauman é caracterizada pela obsessão maníaca e orgíaca por alimentos. Não a cota nutricional e reparadora que todo ser humano ingere. É a busca deseducada, prazenteira, desmesurada, com fito único e máximo da obtenção de prazer. O estudo relaciona muito esse vício do comer entre outros fatores ao nível de agudeza cognitiva, intelectual, cultural e formação tecnicocientífica do comilão. Sua sensibilidade e percepção estão centradas na boca e nos receptores gustativos do aparelho digestório.

Em uma tradução livre do trabalho, registrado em Inglês. Grupos de pessoas tidas e classificadas como glutões prazenteiros: carnes em profusão, massas, vaca, galinha, bebidas, refrigerantes, doces de vários formatos, sorvetes, rodízios, churrascos, sobremesas, etc. etc. Muitos desses comensais desbragados e prazenteiros, padecem da baixa sensibilidade para outras senso-percepções. Em termos inteligíveis. A sensibilidade desses indivíduos está muito centrada e canalizada para o resquício da fase oral da infância, conforme fala em uníssono o psiquiatra Sigmund Freud, em sua análise da divisão da personalidade/fase anal, oral, genital etc.

Assim, esses usuários compulsivos e atrativos por comer tanto, não tem a mesma agudeza e argúcia de outros sentidos e sinapses cognitivas que apresentam sua sensibilidade olfativa e gustativa. Um dos mecanismos é o fator heredofamiliar, a comida como fonte de alívio, de sedativo, de recompensa. Existiu em muitos indivíduos esse treinamento e mais: ingestão abusiva e viciosa a partir da 1ª infância, tendo a mãe, inclusive, como esse primeiro agente catalisador dessa adicção por tudo quanto é comida.

Os estudos mostram ainda o quanto os chamados glutões e comilões na esteira desse adicção por comidas e beberagens vão se repimpando de tecido adiposo, adiposidade tópica (abdome, glúteos) e sistêmica (sobrepeso e mórbida) e se somando em morbidades, que os colocam nos grupos de elevados riscos de morte prematura de causa geral (câncer, artrose, limitação física) e cardiovascular.

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